domingo, 19 de setembro de 2010

7 de Setembro: Dia da Independência?

     Não é novidade que a História apresenta diversas versões e interpretações para um mesmo fato, versões que podem mudar com o tempo. O que aprendemos quando erámos pequeninos na escola pode não estar valendo mais.

     É claro que novas provas podem surgir a qualquer momento, mudando a concepção anterior. Entretanto, muitas vezes os fatos já eram conhecidos e a história que aprendemos muda assim mesmo. Por quê? Pois eles são apresentados de acordo com o interesse dominante de cada época. Enfocam um heroísmo particular, uma classe social, o acaso… Algumas vezes o que é ensinado acaba se enraizando tanto que fica difícil mudar a versão, mesmo que seja para torná-la mais próxima do fato real.

Independência

     Aprendemos que a nossa Independência foi declarada por D. Pedro I, quando soltou seu brado retumbante às margens do Ipiranga no dia 7 de Setembro de 1822. Mas será que foi assim mesmo? Com o tempo, aprendi que muitas negociatas aconteceram até que a Inglaterra reconhecesse nossa Independência, passo fundamental para que o mundo também a aceitasse. A nossa dívida externa começou aí, inclusive. Acordos entre as classes dominantes, movimentos populares, interesses políticos, econômicos e sociais e até mesmo muita luta sangrenta ocorreu para que o Brasil de fato conquistasse sua Independência.
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     Dessa forma fica difícil encontrar um marco único para essa comemoração. Mas o Homem vive de símbolos e precisamos de uma data específica para celebrar, realizar desfiles e cantar hinos. Por que o 7 de Setembro e não o 9 de janeiro (Dia do Fico) ou outra data? A wikipédia tem um bom texto sobre a independência brasileira, mas a cultura na internet não pode ficar só na  wikipédia, não é?

     Abaixo reproduzo matéria que saiu na revista História Viva ano V n° 59 (editora Duetto), que procura explicar a escolha da data e mostrar como ela nem sempre foi a considerada mais importante. O texto está postado na íntegra, com subtítulos meus. O box publicado na revista, analisando o quadro de Pedro Américo, foi excluído. As reproduções das figuras e quadros que ilustram a matéria também não estão aqui. Se você puder comprar a revista, eu recomendo fortemente. Não é cara e você vai aprender muita coisa.

     O texto original abaixo é de autoria de Cláudia Valladão de Mattos, professora de História da Arte no Instituto de Artes da Unicamp e autora de diversos livros. Esse texto inclusive me fez admirar a “história da arte”. Eu acreditava que servia apenas para, como o nome diz, estudar a história das manifestações artísticas. Mas ela é útil também ao utilizar a arte como ferramenta para estudar a história e suas versões construídas ao longo do tempo.
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     “A imagem de D. Pedro I desembainhando a espada no alto do Ipiranga é uma das representações mais populares da história do Brasil. Há muitas décadas figura em livros didáticos e ilustra páginas de revistas e jornais por ocasião das comemorações da Independência. Diante dela temos a impressão de sermos testemunhas do evento histórico, aceito naturalmente como o “marco zero” da fundação da nação. No entanto, essa imagem é fruto da imaginação de um artista que nem mesmo tinha nascido no momento em que o episódio ocorreu.

     Historiadores têm demonstrado que foram necessárias muitas décadas para que o hoje famoso episódio do “Grito do Ipiranga” adquirisse o status que ele possui no contexto das narrativas sobre a Independência. Como demonstra a pesquisadora Cecília Helena Salles de Oliveira em seu estudo sobre o tema, a data de 7 de setembro não foi considerada, de início, particularmente relevante como marco simbólico da formação da nação, nem pela imprensa, nem pelo próprio D. Pedro.

     Em carta dirigida aos paulistas, no dia seguinte ao episódio ocorrido às margens do Ipiranga, o príncipe fala da necessidade urgente de retornar ao Rio de Janeiro em função das notícias recebidas de Portugal. Na longa carta, não há qualquer referência ao “grito”. A Independência do Brasil não estava inteiramente consumada. Dependia também de negociações políticas. Também em carta dirigida ao seu pai a 22 de setembro, D. Pedro não faz referência ao evento.

Outras Datas

     Da mesma forma, os jornais de época, que ensaiaram as primeiras narrativas sobre a Independência do Brasil, não traziam qualquer menção à data de 7 de setembro. O Correio Brazilíense, por exemplo, publicou uma notícia declarando a data de 1° de agosto como marco da emancipação. Era a data em que o príncipe enviou o Manifesto às Províncias do Brasil, no qual se desobrigava de obedecer as ordens das Cortes de Lisboa. O redator do jornal Regulador Brasileiro, por sua vez, apontaria a data de 12 de outubro, na qual ocorreu a aclamação de D. Pedro I como Imperador do Brasil, como o verdadeiro marco da criação da jovem nação. Outras datas, como o 9 de janeiro, dia do “Fico”, em que D. Pedro I recusou-se a embarcar para Portugal desobedecendo as ordens dadas pelas Cortes de Lisboa, ou a de 1° de dezembro, data da coroação, foram mencionadas, mas nunca o 7 de setembro.

     Era fundamental para as elites vinculadas ao governo evitar que o processo de independência se transformasse em uma revolução popular, como ocorrera na América Espanhola. Assim, nos primeiros anos após a Independência, as datas que reafirmavam a monarquia Bragança, como a aclamação e a coroação de D. Pedro I, é que são postas em evidência.

Segundo Debret

     São esses mesmos episódios, a aclamação e a coroação, que mereceram destaque no livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret (publicado na Franca entre 1834 e 1839). Debret, que chegou ao Brasil com a Missão Francesa em 1816, foi o artista mais próximo da Corte portuguesa em sua época. A prancha n° 47 do livro, referente à Aclamação, apresenta D. Pedro I na varanda de um palacete no Campo de Santana, sendo saudado pela multidão, após ter aceitado o título de imperador do Brasil. Ao seu lado, encontram-se a imperatriz com a filha primogênita, Maria da Glória, e figuras de destaque no processo político de independência e do novo governo, como José Clemente Pereira (à época presidente do Senado), José Bonifácio, ministro do Império e seu irmão Martim Francisco, ministro das Finanças. O Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, guarda um pequeno esboço a óleo deste quadro, que provavelmente serviu de base para a realização da imagem do livro.

     A segunda imagem representa a Coroação de D. Pedro I. Tendo em vista que ela é a reprodução do maior quadro histórico realizado pelo artista durante seus anos no Brasil (a obra pintada em 1828 encontra-se hoje no Palácio do Itamaraty), poderíamos mesmo afirmar que este é o episódio por excelência selecionado por Debret para representar a fundação do Império. O quadro é um verdadeiro retrato social das elites do Império e serve bem como imagem inaugural da fundação do novo país.

     A composição em forma de friso apresenta o imperador D. Pedro I, à direita do quadro, sentado em seu trono e usando as insígnias do novo Estado. Ao seu redor estão altos representantes da Igreja, figuras de destaque na Corte, nobres e altos funcionários do Estado, e um hall de políticos que formaria o seu novo governo. No extremo oposto a D. Pedro, observando a cena a partir de um balcão, estão a imperatriz com a filha, marcando a continuidade da casa dos Bragança nos trópicos.

Padre Belchior e o 7 de Setembro

     Em 1826, no entanto, a publicação do testemunho do padre Belchior Pinheiro Ferreira incluiu a data de 7 de setembro no calendário de festividades da Independência. O relato dava forma e voz à reivindicação paulista de ter sido o palco dos principais acontecimentos que levaram à ruptura com Portugal. Graças a ele, o episódio do “Grito” ganhou força na imaginação popular, e se difundiu a medida que a importância política e econômica de São Paulo foi crescendo no cenário do país.

     O relato do padre Belchior também enfatizava a atuação de D. Pedro I, mostrando-o não somente como o legítimo herdeiro dos Bragança e, portanto, como o elo que possibilitaria a continuidade na mudança, mas como um herói, capaz de tomar o destino do país em suas mãos. Porém, essa dimensão da narrativa do padre permaneceu inexplorada ainda por algumas décadas, explicitando-se inteiramente apenas no final do século, na famosa obra de Pedro Américo.

Segundo Moreaux

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     Um outro quadro intitulado Proclamação da Independência., realizado em 1844 pelo artista francês François-René Moreaux, revela como ainda naquele momento a afirmação do direito natural de D. Pedro I ao trono brasileiro impunha-se como preocupação central. O príncipe é representado ao entrar na cidade de São Paulo. Ele está cercado de figuras do povo e levanta seu chapéu em sinal de saudação. Em sua mão direita traz uma carta, provavelmente contendo as notícias vindas de Lisboa – que o motivou à decisão de romper os laços com Portugal. A obra permaneceria na sala do Senado por longos anos, podendo ser vista como uma imagem quase oficial do memorável evento.

     A ênfase da composição, no entanto, não está na ação heróica de d.Pedro. Tanto o príncipe, quanto diversas figuras que o acompanham,  dirigem seus olhares para o céu, de onde desce um raio de luz que ilumina a cena. Nesta representação, não está em jogo a habilidade política de D. Pedro, tampouco seu caráter ou capacidade de liderança. A imagem vincula o evento à providência divina, diminuindo com isso o tom heróico e voluntarioso da figura do príncipe e reafirmando a legitimidade dos herdeiros da casa de Bragança ao trono do futuro império tropical. Neste aspecto, a obra tem mais em comum com as imagens da Aclamação e da Coroação de Debret, do que com Independência ou Morte! de Pedro Américo. Para que a ação de D. Pedro se tornasse o tema central da obra de Pedro Américo foram necessárias mais de quatro décadas de transformações políticas e culturais.”

fonte: http://newserrado.com/2009/08/31/7-de-setembro-dia-da-independencia/ 

posted by Charles...

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