Procuraremos apresentar alguns aspectos sobre a condição da mulher no Período Clássico. Observamos principalmente as mulheres gregas em geral eram despossuídas de direitos políticos ou jurídicos e encontravam-se inteiramente submetidas socialmente. A ateniense casada vivia a maior parte do tempo confinada às paredes de sua casa, detendo no máximo o papel de organizadora das funções domésticas, estando de fato submissa a um regime de quase reclusão. Mesmo antes do casamento, nem se pensava que a jovem pudesse encontrar-se livremente com rapazes, visto que viviam fechadas nos aposentos destinados às mulheres – o gineceu. Deviam lá permanecer para ficar longe das vistas, separadas até dos membros masculinos da própria família.
As mulheres deviam, por sua graça natural, permanecer em silêncio, o que é por demais significativos de sua condição numa comunidade democrática. Calar a mulher significava, portanto, efetivamente, o mesmo que excluí-la inteiramente da cidadania.
Realmente, como salienta Fábio de Souza Lessa, a mulher agia, e agia relevantemente, como elemento de integração social ao romper com o silêncio, ao disseminar informações junto ao grupo de parentes, amigas, vizinhas, associações religiosas. Tratando-se de uma sociedade de comunicação fundamentalmente oral, era vital a circulação de informações, a integração era mesmo mantida. Assim, nos contatos com suas phílai durante a realização das atividades domésticas que pressupunham um trabalho coletivo, em ocasiões de visitas às vizinhas, nas idas à fonte, na colheita de frutos, as esposas encontravam a possibilidade de dialogarem entre si, transmitindo informações e, simultaneamente, se mantendo informadas acerca dos acontecimentos e dos saberes que circulavam na sociedade políade. Segundo Luís Garcia Iglésias , as opiniões das esposas podiam de fato sensibilizar os maridos nas decisões que estes tomavam na Assembléia . Com relação à condição feminina em Esparta para o mesmo período, observamos que suas mulheres pareciam ter uma “liberdade” maior que as atenienses. As espartanas eram até licenciosas, depravadas e luxuriosas. Acusava-as, principalmente, de mandarem nos maridos, deixando subentendido que o motivo disto estava no fato de muitas viúvas casarem novamente, levando consigo os direitos sobre o lote de terra (kléros). As mulheres se tornaram possuidoras de cerca de dois quintos de todo o território da Lacedemônia, por causa do grande número delas que herda propriedades e da prática de dar grandes dotes , o mau comportamento da mulher não somente infunde um ar de licenciosidade à própria constituição, mas também tende de certo modo a estimular o amor à riqueza”. Ao menos a mulher espartana tinha a possibilidade de uma vida absolutamente não reclusa e, inclusive, uma participação no treinamento militar, dado fundamental nesta sociedade essencialmente guerreira. Mas não devemos ser induzidos a erro, já que isto não significava que as mulheres espartanas tivessem socialmente mais consideração e sim, ao contrário, que sua utilidade era ainda mais diminuída no mundo da pólis.
Marcos Alvito informa-nos que as mulheres espartanas, ao contrário das atenienses (onde o fundamental no aprendizado de uma jovem, desenvolvido junto à avó, à mãe ou às criadas da casa, era a vida doméstica e, talvez, um pouco de leitura, cálculo e música), podiam (e deviam) praticar exercícios físicos e praticar jogos, mas isto se dava somente devido à crença que os filhos seriam melhores e mais fortes se ambos os pais fossem fortes ou, em outras palavras, as mulheres continuavam a ser vistas como simples reprodutoras. Se elas eram mais “livres”, podiam sair mais freqüentemente de casa, não tratava-se, como salienta Marcos Alvito, de uma aberração, mas de uma decorrência natural de uma organização social que propositadamente enfraquecia a família, retirando toda a força dos vínculos conjugais, fazendo com que os filhos fossem criados pelo Estado e os maridos só visitassem as esposas de vez em quando. Como se vê, estas mulheres espartanas eram ainda menos importantes no corpo social e na vida de seus maridos que as atenienses, uma vez que se viam privadas de criar os próprios filhos a partir de certa idade e de manter regularmente um relacionamento conjugal com seus maridos. Em resumo, o que se objetivava era fortalecer a comunidade de guerreiros em detrimento da esfera privada - foi à implantação na sua forma radical do ideal hoplítico (Alvito, 1988). Com relação às diferenças de condição social entre as mulheres casadas e as demais, devemos traçar algumas considerações. Era o quirios da donzela (seu pai, ou, na falta deste, um irmão nascido do mesmo pai, um avô, ou, finalmente seu tutor legal) quem escolhia o marido e por ela tomava as decisões necessárias. A lei fixava a forma do casamento legítimo e este se dava pela engiesis que era, na essência, um contrato, a entrega da mão em troca de um penhor. Em Atenas, uma jovem podia até casar-se sem dote, mas só em casos excepcionais; parece mesmo que a existência do dote era o sinal que permitia a distinção entre o casamento legítimo e o concubinato. O objetivo fundamental do casamento era a reprodução. Este servia assim a uma finalidade de ordem religiosa e a uma de ordem cívica, pois os filhos perpetuavam a raça e o culto dos antepassados (culto que era considerado indispensável à felicidade dos mortos no outro mundo) e perpetuavam a própria comunidade de cidadãos, pois a mulher, apesar de efetivamente não ser uma cidadã conforme vistos transmitiam a cidadania aos filhos. Em caso de adultério ou esterilidade, concedia-se a ruptura do casamento, acompanhado de ritos religiosos, que funcionavam como uma contrapartida dos ritos núpcias. Normalmente a ruptura era amigável, mas se houvesse desacordo entre os cônjuges, os tribunais decidiam a desavença e, conforme dessem ou negassem razão ao marido, este ou podia conservar o dote, ou era obrigado a devolvê-lo. Entretanto parece que repúdios e divórcios eram facilmente conseguidos pelos homens e dificilmente pelas mulheres.
Esperava-se das mulheres casadas que elas não se interessassem pelas coisas de fora de suas casas. Poucas ocasiões lhes eram mesmo dadas para falar com os maridos por muito tempo. Estes, inclusive, não deviam tomar as refeições na companhia de suas esposas e quando se recebia amigos, a esposa não devia comparecer na sala do festim. Seus deveres eram, conforme comentamos, os da dona de casa e só saíam às ruas para fazer compras acompanhadas por uma escrava aia, ou por ocasião das festas da cidade, ou de certos acontecimentos familiares. Nota-se, entretanto, uma progressiva e relativa liberação, e começa no século IV a se desenvolver uma prática em larga escala de visitas à casa de vizinhas para empréstimos de objetos caseiros e com a finalidade última de travar contatos. Tal fato, como também já observamos, está ligado a derrota na Guerra do Peloponeso. As necessidades carnais e sentimentais que os homens não satisfaziam junto à sua esposa reprodutora, iam fazê-lo fora do casamento com rapazes ou concubinas e cortesãs.
O homossexualismo masculino, inicialmente favorecido por uma camaradagem militar tal como se praticava em Esparta e Tebas ainda na Idade Clássica, em Atenas significava mais uma iniciação do jovem pelo adulto em todos os domínios, assim sendo a ligação entre erastós (amante) e erômenos (amado) devia cessar assim que adviessem os pêlos, quando o jovem se tornava adulto e devia se preparar para casar (por volta de 18 anos ou mais); normalmente as relações homossexuais masculinas entre adultos eram mal vistas em Atenas. Parece também que no século IV grande foi o desenvolvimento do concubinato que gozava de uma situação legal publicamente reconhecida. As concubinas podiam ser atenienses, escravas ou estrangeiras, ainda que, como saliente Maffre, fossem normalmente escravas da casa (Maffre, 1989: 89). Já as cortesãs eram normalmente escravas de fora (ligadas a bordéis ou independentes) que geralmente contentavam-se com modestas remunerações. Havia também as hetairas que, ao contrário, custavam somas elevadíssimas, pois eram cortesãs de luxo. É provável que muitas cortesãs, sobretudo as últimas, recebessem educação mais livre e mais cultas que as esposas de Atenas, sobretudo no que diz respeito à música, ao canto e à dança.
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