quarta-feira, 14 de abril de 2010

"É preferível morrer que perder a vida"

Batismo de sangue:
É preferível morrer que perder a vida

 O livro Batismo de Sangue de Frei Betto, uma narrativa poética e absorvente é um clássicos das leituras sociológicas, políticas e religiosas do Brasil. Este recompõe mais uma das trágicas passagens da esquerda armada durante o regime militar no Brasil (1964-1985).
 “Levei dez anos para escrever "Batismo de Sangue" (...). Reviver toda a saga de um grupo de frades dominicanos na luta contra a ditadura militar fez-me sofrer...”.
Frei Betto
O livro serve-se de personagens como Carlos Marighella, ex-deputado constituinte pelo PCB em 1946, um dos artífices da dissidência comunista ocorrida em 1966/67 e líder da ALN (Ação de Libertação Nacional). Frei Tito de Alencar Lima, vários frades dominicanos e “anônimos” que participaram ativamente do cenário brasileiro no auge da ditadura.
Como se sabe, a ALN foi um dos vários organismos surgidos no final dos anos 60, todos voltados à resistência armada contra a ditadura dos militares. No entanto, a organização de Marighela despertava maior cautela e cobiça por parte dos agentes repressivos.
 Em nenhum momento da luta armada os organismos de esquerda exibiram condições de empreender uma resistência ao regime. As ações mais significativas do ponto de vista político foram assaltos a banco e seqüestros de diplomatas.
“A resistência humana tem limites nem sempre conhecidos. Ao encarnar em sua vida os ideais pelos quais lutava Marighella conseguiu que o limite de sua resistência chegasse à fronteira em que a morte recebe o sacrifício como um dom”. (p.27).
A obra contribui para o entendimento do projeto proposto pela ALN – Ação Libertadora Nacional: 
“O programa básico do movimento dirigido por Carlos Marighella propunha ‘derrubar a ditadura militar’ e ‘formar um governo revolucionário do povo’; ‘expulsar do país os norte-americanos’; ‘expropriar os latifundiários’ e ‘melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias’; ‘acabar com a censura, instituir a liberdade, de crítica e de organização’; retirar o Brasil da posição de satélite da política externa dos Estados Unidos e colocá-lo, no plano mundial, como uma nação independente’”. (p.60).
Também é possível entender a grandeza, a coragem e o compromisso cristão que nutria os religiosos que ousaram enfrentar o regime. Um exemplo disso está nas palavras de Frei Tito; um dos que sofreu as mais duras torturas físicas na prisão. Cinco dias antes de ser preso, disse:
“Muitas vezes somos arrastados para onde não queremos ir. Temo que isso venha a acontecer com o conjunto da Igreja do Brasil. Se vier, e se for como conseqüência de uma fidelidade e de uma responsabilidade mais profundas ao Evangelho, que seja bem-vinda esta hora.” (p.259).
A efervescência da movimentação de massas contrária ao regime militar é descrito com primor:
“O tiro mortal que atinge o estudante Edson Luís nas ruas do Rio, fere o coração de toda sociedade civil. 
À frente da Igreja da Candelária, no centro carioca, sacerdotes paramentados e intelectuais marxistas dão-se as mãos para erguer uma barreira humana entre o povo e os batalhões de choque da polícia militar. 
Em Osasco e Contagem, as greves operárias, seguidas de ocupação das fábricas, são duramente reprimidas. 
Aprende-se que, sob tirania, quem ergue a voz não deve mostrar o rosto.” (p.67-68).
 Entre as narrativas belamente escritas, constam as dores dos amores abruptamente separados pela fuga, quando um dos pares era obrigado a deixar o país ou viver no campo, com identidade falsa, deixando tudo para trás. Há ainda a revelação de como Frei Betto ajudava na travessia pelo Rio Grande do Sul, dos perseguidos que estavam sob a mira do regime e como ele, mesmo da prisão, fazia chegar a Europa textos que denunciavam os horrores dos porões do regime onde, privação de sono, choques elétricos, estupros e espancamentos, muitas vezes, até a morte, consistia nas ferramentas básicas da “lei torpe” dos militares que estavam a serviço do alto comando da ditadura.
Num dos depoimentos das torturas sofridas por Frei Tito é possível perceber o que levou ao desfecho trágico de sua morte:
“Dois fios foram amarrados em minhas mãos e um na orelha esquerda. A cada descarga eu estremecia todo, como se o organismo fosse se decompor. Da sessão de choques passaram-me ao pau-de-arara. (...) Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala dizendo que passariam a descarga de 220 volts a fim de eu falasse ‘antes de morrer’ (...) ”. (p.263)
Os torturadores queriam nomes, e o paradeiro de Frei Ratton e de outros padres no Rio, São Paulo e Belo Horizonte; além do endereço dos aparelhos, lugar onde se escondiam estudantes e outros “subversivos”.
Conta Frei Tito:
“Diante de minhas negativas aplicavam-me choques, davam-me socos, pontapés e pauladas nas costas. Revestidos de aparatos litúrgicos, os policiais me fizeram abrir a boca ‘para receber a hóstia sagrada’. Introduziram um fio elétrico. Fiquei com a boca inchada sem poder falar direito”. (p.264).
 
Tito resistiu, com a força que alguns dos dominicanos não foram capazes.
No exílio, o maior torturador de Tito, o perseguia. Mas a perseguição era apenas fruto der sua mente “doente”. Nessa “fantasia, Fleury, o torturador, continuava tentando fazê-lo entregar os companheiros.
 A “loucura” advinda dos sofrimentos psíquicos o levou ao suicido. Pouco antes de morrer escreveu:
 “é preferível morrer que perder a vida”.

Postado por: Claudia Zelini Diello

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